quinta-feira, 30 de março de 2017

Em toda esquina

Talvez eu tenha tudo
O mundo me sorri
Abre os braços
Me beija
Me acolhe
Me acalenta

O mundo me encoraja
Me motiva
Me da propulsão

Mas eu não sou o mundo
Eu sou minha casa
Minha única casa
A primeira
A verdadeira

Mas eu nunca tive permissão pra entrar
Nunca pude estar nu no meu local de origem
Forçaram me a usar um traje roto
Mal colocado
Mal medido
Mal costurado

Fui expulso aos poucos
Sem que essas palavras fossem ditas
Mas eu podia ouvir
Tocar e sentir
E saber que eu não devia estar ali

Em toda esquina
Alguém me protege
Me beija
Me convida pra entrar

Mas sem um lugar pra voltar
Sou sempre forasteiro
Com minhas malas prontas
Meus planos desconfiados

Na minha terra sou filho pródigo
Elemento de instabilidade
Caos
Desespero

Não há retorno
Mas ainda assim procuro o caminho
Ainda assim sou minha casa
Meu templo

Por que meu caro?

Ricardo...
Uma tentativa de profecia 
Desde sempre
Desde o começo

Mas você não é a promessa
Não é o sangue
Em algum lugar te esqueceram
Fizeram do herdeiro o bastardo
E isso é tudo...
Não há muito o que ver
Muito com o que se preocupar...

Te colocaram fora da gaiola
Te trataram como estrangeiro

Na sua síndrome de Estocolmo
No peso e no vazio de sentir-se o descumpridor do pacto
Incompetente 
Divergente 
Fracassado 
Você ainda crê na terra prometida
Nos dias de bonança 
Na reconciliação 
No juramento tácito
Daquele agosto vinte e nove

Meu filho
Meu amigo
Meu caro
Meu companheiro 

O mundo te deu a mão
Te criou como legítimo 
Te aqueceu o coração
Secou suas lágrimas 
Não temas nada

Essa Jihad não é santa
Esse espaço vital tampouco
Não há terra prometida
Seu jardim é o globo

Respire fundo
Não há solidão
Encontre-se em si 

Abra espaço para o infinito
Não olhe para trás 

Seu nome
Seu título 
Isso já não existe
É terra arrasada 

Você foi rebatizado
Requalificado 
Resignificado 
Renascido 

Você abdicou ao seu trono
Ao seu reinado
A sua história 

Deixe o novo florescer 
O sublime ter significado

Por fim...
A esfinge não te devorou
Eu te encontrei
Me fundi em você 
E agora somos outro


Já não há sinais
Nem profecias 
Muito menos medo

Arrebente-se em amor





Para que eu me lembre

Fico tão triste
Sozinho e confuso
Não sou a carcaça de metal pretendida

As noites são ao mesmo tempo
Um refugio e um desespero
Sempre à procura de alguém
Pra preencher esse espaço de solidão

Não quero me encontrar comigo mesmo
Ver minha face
Encarar o tempo

Qualquer companhia é melhor do que nada
Mas você sabe e eu sei
É a lua refletida na água

Meu peito queima uma dor fina e extensa
Aprendi a me drogar
Me enganar
Libero minha endorfina
Dopamina

Nada quimicamente artificial
Mas psicologicamente tóxico

Não sei bem o dia em que o abandono se deu
Não sei de quem é a culpa
Mas eu só não queria estar só

Eu enterro fundo essa história
Desrespeito minhas dores
Com vista grossa e punho cerrado




sábado, 18 de março de 2017

Little beat of peace

Sigo por estradas
Mais ou menos desconhecidas
São perguntas
Sem resposta
E eu prefiro esperar do lado de fora

Vinte sete anos
Ainda acredito
Um destino
Um oasis à frente no caminho

Em busca de um pouco de paz
Em busca de um pouco de mim
Isso doeu demais
E embora pareça pouco
É o que posso dar

Errei tanto
Sempre
Dia a dia
Eu falo com Deus
Agradeço peço perdão
E suplico por perseverança
São tantas segundas chances
Que já perdi a conta

Eu tento ver o futuro
Aplacar a dor
Mas não há muito
As vezes é só continuar
E confiar que amanhã será diferente

As vezes tenho trinta
As vezes vinte
E só quero um pouco de paz



terça-feira, 14 de março de 2017

Em sistema estrangeiro

Não faço parte dos seus projetos
Não sou uma curva na estrada
Eu sou a estrada

Você diz ter meu guia de fábrica
Sempre me ferindo
Sangue do seu sangue
Minha vida pulsa só

Bati as asas
Sempre tão desprotegido
Cai do ninho e ganhei o mundo

Com os olhos virados
E razões circulares
Aprendi a ser só

Eu sei
No fundo, no fundo, devia haver alguma lógica
Eu sei
Talvez hoje a gente possa fingir que não existiu
Eu sei
Mas eu estou aqui
Ainda existo
E talvez não queira voltar atrás

Sinto muito
Vou puxar o gatilho

Não orbito em sistema estrangeiro
Nem sou caixa de areia
Cicatrizei essa ferida

Eu sou o sol
E queimarei seus olhos
Irradiando por todos os espaços
Vocês me sentirão mesmo na sombra




domingo, 12 de março de 2017

segunda-feira, 6 de março de 2017

Paralelo


Trancado em um quarto
Sem ver o dia
Quando escurecia
Se era passado ou presente
Riscou as paredes
Mergulhou no chão
Bateu com a cabeça
Pediu por ajuda

Procurou nos pulmões
No meio da madrugada
Batiam na janela
Pediam pra entrar
Um choro sofrido
De longe
Com anéis tilintavam a grade
Enfiou a cabeça nos travesseiros
Ouvia os passos rondando a casa
Escutou pegadas no telhado
Gritos atormentados de loucura

Seis dias acordado
Acreditou não ter dormido
Talvez tivesse morrido
Ninguém respondia
Cortou-se 
A dor esvaziava em vermelho viscoso
Sem saber como
Estava vivo
Mas onde
E quando?

sábado, 4 de março de 2017

Martin Eden


Navegaram
Nus correram para o mar
Enfrentaram as ondas
Tomaram os timões
Deram o rumo
Dia a dia
Confeccionaram asas de cera
Encantados
Voaram em direção ao sol

Sedentos
Beberam toda água do mar
Sozinhos
Traçaram um plano lunático
Fixados em um ponto
Miraram até cegar o mundo

O sal perdeu o gosto
O vermelho se tornou cinza
Distinguiam vagos fantasmas
Era um ponto
Um pódio
Um alvo

O sangue escorrido
Marcou o traçado

No fim
Não havia mais nada

A sede daquela conquista
Única
Insubstituível
Egoísta
Foi a marca das suas desgraças

Suas vidas escorreram entre os dedos
Mas  o delírio não deixava sentir a dor
Lutando com seus moinhos
Esses homens carregaram suas tragédias

Naqueles últimos instantes
Nos últimos segundos
Mesmo tendo enfrentado o imenso e infinito nada
Em dias quase sempre nublados
Ao segurar o passaporte
Ao alcançar a terceira margem do rio
Qualquer um que os visse
Teria a plena certeza
Que o gosto amargo do arrependimento
Não os havia tocado